Paulo Jazz faleceu na última quarta-feira, 16, no complexo hospitalar, Américo Boavida, em Luanda. Com a sua morte, o país perde um filho virtuoso, detentor de talento raro, e um dos pioneiros na internacionalização das artes plásticas angolanas, logo após a Independência.
Paulo Jazz faleceu, aos 63 anos, deixando um enorme vazio no seio dos artistas e familiares. A sua figura imortaliza-se no desenho e na pintura. O finado artista foi uma personalidade incontornável no mosaico cultural angolano.
Paulo Jazz, nome artístico de José Paulo Esteves, nasceu em Luanda, em 1957. Fez-se pintor e desenhista de referência em Angola, na esfera da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e no continente africano. Fez o “Curso de Cor e Forma” pela Escola Superior de Belas Artes de Estocolmo, Suécia, em 1983, no âmbito da Cooperação Cultural entre a Suécia e a antiga República Popular de Angola. Foi co-fundador da União Nacional dos Artistas Plásticos (UNAP). Destaca-se por ser detentor de vários prémios, dentre os quais o de artes plásticas do Centro Internacional das Civilizações Bantu (CICIBA), em 1987.
Em 1992, participou na Expo Universal de Sevilha, em Espanha, com grande destaque. Seguiram-se outras exposições internacionais, nomeadamente no Museu das Artes de Óbidos, Portugal, no Brasil e no Museu Josef Broz Tito, na Jugoslávia. Os seus trabalhos são também conhecidos nos Estados Unidos da América, em Londres e em muitos outros países. Participou de exposições colectivas com artistas de referência tais como Eleutério Sanches, António Ole e o pintor moçambicano, Malangatana. As suas obras encontram-se espalhadas em Colecções Particulares, Galerias e Museus de África, Europa, Ásia, América do Sul e América do Norte. Em 2016 celebrou os seus 50 anos de pintura.
O ministro da Cultura, Turismo e Ambiente, Jomo Fortunato, mostrou-se consternado com a morte de José Paulo Esteves. Na sua mensagem de condolência destaca o contributo do criador na afirmação da cultura angolana.
Sobre Paulo Jazz, Hildebrando de Melo publicou em 18 de Agosto de 2015, no Cultura – Jornal Angolano de Artes e Letras o artigo que se segue:
«Para os amigos Jazz, como sempre lhe chamamos na Mutamba. Um tal pintor que vivia ao lado do I.F.B.A (Instituto de Formação Bancária) no prédio da União Nacional dos Artistas Plásticos que normalmente punha as suas músicas, e quem ali passava perto do prédio da U.N.A.P. ficava estupefacto com o que via, na sua janela, obras atafulhadas com mistura de músicas com volume alto e gritos do mesmo. De cá de fora, visualizava-se pinturas, umas a saírem pela varanda decrépita do edifício de construção colonial de nome Mendes & Valadas. Ele que se fazia vaguear pela cidade com um ar reminiscente a década 80, com um aspecto de quem parecia que saiu há pouco de um concerto da Nina Hagen, dos The Cure, ou The Clash, uma mistura de gótico com a urbe de Luanda, com o seu característico chapéu. Depois de mudar para o aeroporto, lá vai ele a descer do aeroporto, onde vive presentemente, até a Mutamba, com um trabalho seu debaixo do braço. Para quem se atrever a comprar.
E para que entendessem um pouco do Universo deste Pintor, gostava que dividíssemos por partes este meu texto. Por um lado, a sua interacção com a sociedade, por outro, a sua pessoa, o seu valor estético, a sua obra e, em detrimento de isto tudo, para que possamos fazer um olhar de recuo, como se fosse uma fita de uma cassete antiga VHS, de frente para trás, a rebobinar, como outrora fazíamos com os filmes, proponho-vos: A sociedade v.s Paulo Jazz, a obra, a estética, o seu valor, o trajecto, tudo isto sem descurar desaires pessoais. De ter perdido a esposa, uma filha e como tudo isso repercutiu inconscientemente na sua forma de pintar e olhar o mundo.
Recordo-me, em meados de 1999, quando o encontrei no Bairro Azul aonde morava, estava mais sisudo, formal, estava a gozar julgo eu de ter sido uma aparição nas artes plásticas angolanas. A década 90 foi para Jazz uma década de ouro, tinha aparecido com uma pintura nova para a crítica que não era muita na altura. Não tínhamos muitos críticos de arte. Mas, para a norma ou o habitual estabelecido que víamos e do que consultei para a altura, era realmente um salto mais à frente do Cubismo, estilo e forma que o próprio perscrutou ao longo da sua carreira. Só que aqui estava alicerçada, muito mais, uma pintura de Pizzicato, como quem dedilha uma corda de guitarra. A sua pintura era como um organismo vivo de dois ou um elemento que interagiam entre si e tomavam todo o espaço que havia para tomar dentro do campo de uma pintura. Era ele, tinha encontrado um caminho, que é o que todos dentro da arte pretendem e querem atingir. Uma linguagem sua, um estilo seu, para que se diferenciasse dos demais artistas do campo visual. Isto é Robert Rauschenberg, Isto é um Picasso, ou, da contemporaneidade, isto é Walker, Kara Walker. Também nesta fase do Paulo podia dizer-se o mesmo.
Só que, de um momento para outro, no virar da década, vemos um Jazz mais Cubista. Porquê? Ouve um recuo por causa de eventos pessoais que causaram grande impacto na sua obra, daí ele ter feito o recuo dentro da sua pintura e voltar a uma zona de conforto que já dominava há muito: o Cubismo. A vida quase sempre é tortuosa para o artista, de variadíssimas formas, porque acompanha o artista uma grande insatisfação ao longo da carreira. Encruzilhadas em que por vezes não sabemos que caminho seguir dentro duma idiossincrasia, e muitas das vezes, se não bem aconselhados, tomamos caminhos errados. E a nossa arte torna-se monótona para o espectador ou pouco apelativa. Perguntei e inquiri artistas mais bem sucedidos, e todos concordaram que depois não é o dinheiro que satisfaz, muito menos a criação, essa, sim, tem de existir, porque se torna a última esperança do artista, como se de um porto seguro se tratasse, um refúgio onde pode, quem pensa diferente, recostar. Porque as perguntas assaltam-nos mais do que aos comuns mortais, talvez, quem sabe!
Em Luanda, é terrivelmente engraçado, uso a palavra terrível, por causa da falta do amor ao próximo, todos os dias vemos pessoas menos bem pela rua e ignoramos. E, quando não temos explicação para o comportamento de alguém, apelidamos logo de “Maluco”, desequilibrado mental. Em sociedades industrialmente mais desenvolvidas, pessoas desta natureza, com olhares diferentes sobre o mundo, são objecto de pesquisa. Em Angola, são desprezados…
Num estudo duma Universidade na Islândia, analisaram padrões comportamentais entre pessoas com profissões normais e pessoas com profissões da Arte. Paradoxalmente, depois dos estudos, concluíram que as pessoas criativas, os Pintores e os Escritores, são propensos a ter genes de esquizofrenia e transtorno bipolar. E dizem que, aliado a este possível facto, “A criatividade pode ser vista de várias maneiras, e, embora seja um conceito difícil de definir, para fins científicos, a pessoa criativa é mais frequentemente considerada aquela que toma novas abordagens, exigindo processos cognitivos que são diferentes modos de pensamento ou expressão predominante”, eles escreveram. “Pensar de forma diferente dos outros é, portanto, um pré-requisito para a criatividade.”
Desta feita, devíamos olhar estes seres com mais carinho, porque o que seria a sociedade sem os artistas? Já pensaram? Já imaginaram um mundo sem música, sem pintura, sem Arte? Se é a Arte que nos faz sonhar para irmos a sítios que, de outra forma, nunca lá chegaríamos!
E deixo aqui um apelo: olhemos os nossos artistas com o devido apreço e carinho que merecem.
A Arte é um privilégio de Deus… »